Por constantes atrasos dos salários dos servidores e descumprimentos da sentença do processo Nº 16792016, neste dia 12 de dezembro a prefeita foi afastada para que o sucessor cumpra a determinação judicial.
Processo nº 16582016
Autor: Ministério Público Estadual
Ré: Valéria Cristina Pimentel Leal
D E C I S Ã O
Cuida-se de pedido cautelar de afastamento incontinenti da Prefeita Municipal de Araioses, feito pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL em desfavor de VALÉRIA CRISTINA PIMENTEL LEAL, prefeita do Município de Araioses/MA, em razão da prática reiterada de atos que afrontam os princípios da administração pública, previsto no art. 11 da Lei nº. 8.429/92.
Segundo o Parquet Estadual, desde o mês de outubro de 2016, após derrota nas eleições, a prefeita municipal vem cometendo graves falhas na gestão municipal, dentre elas cita: exoneração de todos os funcionários contratados, o que causou a falência de alguns serviços públicos essenciais; atraso reiterado no pagamento do funcionalismo, provocando a paralisação dos servidores, por quase quinze dias etc.
Em relação ao atraso no pagamento dos salários, seja dos servidores efetivos, seja dos contratados, aduz que tal conduta gera enormes prejuízos à população do Município de Araioses, pois além de comprometer a própria subsistência dos servidores e suas famílias, contribui para o empobrecimento da cidade, já que em "cidades do porte de Araioses, as atividades giram em torno do serviço público, que é a maior fonte de renda da população" (fl. 03).
Arremata o Ministério Público Estadual que, com tal postura, a Prefeita Municipal está cometendo ato de improbidade, "consistente em inobservar os princípios administrativos da legalidade e moralidade, pois lesa o direito fundamental de todo e qualquer trabalhador que é a percepção do salário".
Assim, pede medida de provimento liminar de afastamento da prefeita municipal, da função pública, na forma do art. 20, parágrafo único, da Lei 8.429/92, em razão de que, permanecendo à frente da Administração, continuará a causar prejuízos com a reiteração dos atos omissos, como o não pagamento dos próximos vencimentos, bem como, comprometendo a próxima gestão.
Fundamenta, ainda, o pedido com a alegação de que a Alcaide vem sonegando documentos para instruir a ACP nº 1379/2016 que trata do pagamento dos salários.
Inicial, acompanhada de documentos, às fls. 02 usque 46.
Devidamente relatado, passo a decidir.
O CPC/2015 reformulou o sistema de tutela judicial fundada em cognição sumária, unificando sob a nomenclatura de tutela provisória, a tutela antecipada e a tutela cautelar, que se submetiam (no Código de Processo Civil de 1973) a disciplinas diferentes, formalmente.
Reza o novo codex que, a tutela provisória poderá fundar-se em "urgência" ou "evidência" (art. 294, caput). A tutela de urgência será concedida quando forem demonstrados elementos que indiquem a probabilidade do direito, bem como, o perigo na demora da prestação da tutela jurisdicional (art. 300). Já a tutela da evidência, não exige a demonstração de periculum in mora quando: 1) ficar caracterizado abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte; 2) as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas mediante prova documental e houver tese firmada em demandas repetitivas ou em súmula vinculante; 3) se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito; ou 4) a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável (art. 311).
A tutela de urgência, que ora se trata, é subdivida em cautelar e antecipada, com ambas podendo ser concedidas em caráter antecedente ou incidental (art. 294, par. ún.).
Embora permaneça a diferença conceitual de ambas as tutelas, aplica-se-lhes o mesmo regime quanto a pressupostos, e via processual de pleito e concessão.
Feitas essas considerações iniciais, passo à decisão propriamente dita.
Dispõe a Lei 8.429/92, parágrafo único:
Art. 20. A perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos só se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória.
Parágrafo único. A autoridade judicial ou administrativa competente poderá determinar o afastamento do agente público do exercício do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária à instrução processual.
Acrescente-se que a liminar em sede de Ação Pública pode ser admitida mesmo, antes da notificação a que se refere o art. 17, § 7o, da Lei nº 8.429/92.
Nesse sentido:
Ementa: ADMINISTRATIVO – IMPROBIDADE – PERICULUM IN MORA E FUMUS BONI IURIS – SÚMULA 7/STJ – MEDIDA CAUTELAR – INDISPONIBILIDADE E SEQUESTRO DE BENS – REQUERIMENTO NA INICIAL DA AÇÃO PRINCIPAL – POSSIBILIDADE – DEFERIMENTO DE LIMINAR INAUDITA ALTERA PARS ANTES DA NOTIFICAÇÃO PRÉVIA. 1. Aferir a existência dos pressupostos para a concessão da medida cautelar, como requer o recorrente, demandaria o reexame do contexto fático-probatório dos autos, o que é defeso a este Tribunal em vista do óbice da Súmula 7/STJ. 2. É licita a concessão de liminar inaudita altera pars requerida na inicial da ação principal, antes do recebimento da Ação Civil Pública, para a decretação de indisponibilidade e de sequestro de bens. Agravo regimental improvido. (STJ - AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL AgRg no REsp 1121847 MS 2009/0021979-1)- (STJ)
Data de publicação: 25/09/2009
Ementa: ACÓRDÃO N.º 6-0887/2010 PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. MEDIDA CAUTELAR DE INDISPONIBILIDADE DE BENS. REQUERIMENTO NA INICIAL DA AÇÃO PRINCIPAL. DEFERIMENTO DE LIMINAR INAUDITA ALTERA PARS ANTES DA NOTIFICAÇÃO PRÉVIA. POSSIBILIDADE. ARTS. 7º E 16 DA LEI 8429/92. DECISÃO A QUO MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. DECISÃO UNÂNIME. TJ-AL - Agravo de Instrumento AI 00036138520098020000 AL 0003613-85.2009.8.02.0000 (TJ-AL)
No caso sub oculi, em sede de tutela de urgência de caráter cautelar, o Parquet Estadual requer a concessão de liminar para afastamento do cargo de Prefeita Municipal, a Sra. Valéria Cristina Pimentel Leal (responsável pelos atos nocivos de atraso no pagamento dos salários, que traz prejuízo à toda comunidade araiosense) a fim de impedir a reiteração do ato omissivo de não pagar os salários do servidores, bem como, para assegurar a instrução processual, a fim de que os poderes do chefe do Executivo Municipal não influencie na produção probatória, seja através da reiteração dolosa da omissão, seja pelas reiteradas sonegações de informações sobre as folhas de pagamento, garantindo, a verdade real ao processo.
Desta feita, o Ministério Público Estadual justifica o pedido liminar em dois fundamentos: a) para garantir o resultado prático do processo (pagamento dos salários futuros e vincendos); e, b) garantir a instrução processual (impedir que a sonegação de informações, por parte do Executivo Municipal, comprometa a colheita de provas).
O não pagamento regular da remuneração dos servidores municipais, ou a retenção de verbas salariais, apesar do ente público receber, pontualmente, os repasses federais e estaduais de verbas públicas e recolher as receitas próprias, sem apresentação de anormalidades imprevisíveis nas circunstâncias fáticas subjacentes, é patente conduta que viola os princípios balizadores da atividade administrativa.
Esse proceder traduz-se em grave ineficiência funcional, que em muito ultrapassa a mera "desorganização" ou incompetência para gerir o município, uma vez que, assim agindo, o administrador (gestor público) estará tomando decisões no âmbito administrativo – a exemplo do pagamento de outras dívidas, em detrimento do pagamento dos salários dos servidores, na melhor das hipóteses – que importam sua responsabilização pelas consequências a serem suportadas pelos administrados.
Pagar outras despesas em vez do salário – verba alimentar – dos servidores ou empregar os recursos públicos destinados a tal finalidade primária, para outra finalidade, é ato de decisão do administrador público que não autoriza simplesmente atribuir os atrasos ou retenções praticadas ao caso fortuito, força maior, ausência de recursos em razão de bloqueios da justiça ou mera desorganização.
Diga-se, ademais, não ser possível à prefeita optar, repetidamente, e por meses consecutivos, por realizar despesas outras sempre em detrimento do pagamento da remuneração dos servidores, pois que tais verbas possuem inafastável natureza alimentar, que não permite espaço para o exercício da discricionariedade administrativa.
A contraprestação do trabalho, ofertada por funcionários públicos, deve estar no primeiro grau de importância das despesas a serem realizadas pelo ente público, ao lado dos gastos despendidos para manutenção da saúde pública, e tal prescinde de disposição expressa de lei: além de decorrer do princípio constitucional basilar do ordenamento jurídico brasileiro – dignidade da pessoa humana – trata-se de conclusão a que se chega, instintivamente, qualquer ser humano, ou seja, primeiro a necessidade de sobreviver, e daí a imprescindibilidade e primazia de satisfazer às carências alimentares e de saúde física e psíquica em detrimento das demais.
Tal conduta, quanto mais quando perpetrada de forma reiterada, contumaz e injustificada, como vem ocorrendo deste o mês de agosto do corrente ano, pela gestora municipal, caracteriza, claramente, ato de improbidade administrativa que fere, mortalmente, a legalidade e os deveres de lealdade institucional e eficiência funcional, em razão de a Prefeita desrespeitar, ao mesmo tempo: 1) as normas legais; 2) o devido zelo na administração da coisa pública; 3) e o dever de boa administração, ou seja, de proporcionar o funcionamento regular, organizado, produtivo e eficaz do ente público.
Quanto à obstrução da instrução, analisando a prova juntada, bem como, os autos da ACP nº 1379/2016, promovida também pelo Ministério Público Estadual, a mesma gestora, não traz informações, em sua completude, sobre o pagamento dos servidores municipais, apesar de ser intimada para tal.
De fato, a gestora municipal sempre trouxe informações incompletas, como a juntada, v.g. apenas da folha dos servidores contratados, quando inicialmente se requisitou a folha de TODOS os servidores. Ademais, basta uma simples conferência das declarações de servidores, firmadas junto ao Ministério Público Estadual, para constatarmos que é frágil o argumento da gestora do Município de Araioses de que tem pago, com regularidade o funcionalismo.
Acrescente-se que as inúmeras determinações constantes da citada ação civil pública (1379/2016) não tem sido cumpridas a contento. Principalmente no que se refere às informações referentes aos pagamentos dos servidores, que quase sempre são desencontradas.
A folha de pagamento é condição sine qua non para que o banco, possa operacionalizar os bloqueios determinados por este juízo para garantir o pagamento dos salários. Tal determinação, de juntada da(s) folha(s) de pagamento tem sido descumprida, reitero.
De outro lado, compulsando os extratos bancários trazidos pelo Autor, verifica-se que não houve queda de receita, a ponto de justificar o atraso no pagamento dos salários dos servidores.
Assim, para evitar que um provimento tardio torne inútil, ou insustentável, o direito pleiteado, deve-se analisar o caso concreto para concessão da tutela inaudita altera pars.
E, da análise dos documentos que instruem o presente feito, em juízo de cognição sumária e sem qualquer antecipação do entendimento a ser manifestado por ocasião do julgamento da presente ação, vislumbro a presença dos requisitos para a concessão da liminar pleiteada, pois, verifica-se preambularmente, a presença do fumus boni iuris e periculum in mora, para conceder a tutela cautelar de afastamento da Prefeita Municipal da função pública, mesmo antes da notificação para defesa preliminar.
A ação civil pública nº 1379/2016, em que se cobra verbas salariais atrasadas, atesta, de maneira inconteste, a presença do requisito do fumus boni juris, pois não obstante a existência de vínculo obrigacional entre o município e seu quadro funcional, assim como a respectiva prestação de serviços à pessoa jurídica de direito público interno, os servidores públicos não vêm recebendo a necessária contrapartida em forma de remuneração, sendo que tal omissão, em tese, caracteriza ato de improbidade ferindo os princípios da legalidade, moralidade e probidade administrativa.
Quanto ao requisito do periculum in mora, torna-se necessário o afastamento da atual gestora para que a mesma não venha a conspurcar as provas, porventura, existentes na Administração, bem como, para impedir que a agente política continue a causar danos patrimoniais ao Ente Público que "administra", sem mencionar o risco de suspensão de serviços público essenciais.
De outro lado, o funcionalismo não pode ficar a depender de bloqueios judiciais a todo tempo, para receber seus vencimentos, todos os meses.
Ressalte-se, também, que quanto ao periculum in mora específico, trazido pelo parágrafo único do art. 20 da Lei de Improbidade Administrativa, qual seja a de que a medida de afastamento contenha o caráter de imprescindibilidade para instrução processual, os documentos de fls. 26/31 revelam a medida exata da pertinência da tutela cautelar.
Tais documentos evidenciam, especificamente quanto ao pagamento do transporte escolar, que a falta de pagamento do mesmo pode comprometer o ano letivo dos alunos da rede de ensino do Município de Araioses.
Nesse sentido, vislumbra-se claramente a possibilidade de ocorrência de lesão de difícil reparação.
Acrescente-se que, além do todos os problemas aqui apontados, a falta do pagamento dos salários dos servidores, além de representar risco à subsistência dos mesmos e de seus familiares, pode comprometer a próxima gestão municipal.
Por fim, merece destaque que o afastamento da Prefeita Municipal, das suas funções, não conduz, necessariamente, a uma descontinuidade na administração municipal, porquanto assume o cargo o sucessor legal, in casu, o vice-prefeito, não trazendo prejuízos aos munícipes, nem aos servidores públicos, e muito menos, aos serviços essenciais. Ao revés, deve o gestor interino envidar esforços para atualização dos salários dos servidores, sob pena de, também, cometer atos de improbidade administrativa.
Nesse sentido já se manifestou o STJ:
"(...) O afastamento temporário de prefeito municipal, com base no art. 20, parágrafo único, da Lei n. 8.249/1992 e decorrente de investigação por atos de improbidade administrativa não tem o potencial de, por si, causar grave lesão aos bens jurídicos protegidos pela Lei n. 8.437/1992. Agravo regimental desprovido"
Em razão do exposto, constatando a presença dos requisitos necessários para a concessão da medida liminar pleiteada, consistentes no periculum in mora e fumus boni iuris, e com fundamento no art. 20, parágrafo único, da Lei 8.429/92, DEFIRO o pedido de tutela de urgência para afastar VALÉRIA CRISTINA PIMENTEL LEAL da função de Prefeita Municipal de Araioses/MA, pelo prazo de 19 (dezenove) dias, (considerando que é o número de dias restantes de sua administração) em razão de atos que violam princípios da administração pública, e causam dano ao erário, salvo se concluída em menor tempo, sem prejuízo de sua remuneração mensal.
Diante da presente decisão, advirto que qualquer um que venha a desobedece-la, incorrerá da conduta, tida como crime, previsto no art. 330 do Código Penal, podendo ensejar prisão em flagrante.
Oficie-se ao Comando da 16ª BPM, com sede na cidade de Chapadinha/MA, bem como, ao destacamento da cidade de Araioses/MA, para ciência da decisão e atuação imediata em caso de descumprimento, por caracterizar crime previsto no código Penal.
Oficie-se ao Banco do Brasil S/A acerca da presente decisão, dando-lhe ciência do afastamento da requerida do cargo de Prefeita, o que lhe impede de movimentar as contas de titularidade do município de Araioses/MA.
Notifique-se à Câmara Municipal Araioses, por seu presidente, para que, em sessão extraordinária, dê posse ao vice-prefeito, no cargo de prefeito, como corolário da decisão de afastamento do requerido, no prazo de 24 horas, haja vista a impossibilidade de acefalia do Poder Executivo.
Fica reiterada a advertência de que havendo o descumprimento da presente decisão por qualquer um, incorrerá este no crime de desobediência, podendo ocorrer a consequente prisão em flagrante.
Notifique-se o requerido para apresentar manifestação por escrito, no prazo de 15 (quinze) dias, nos termos do art. 17, § 7º da 8.429/92.
Intimem-se a requerida e o Ministério Público da presente decisão.
Cumpra-se.
Araioses, 12 de dezembro de 2016.
Marcelo Fontenele Vieira
Juiz de direito titular da 1ª Vara da Comarca de Araioses-MA