Um amigo me alcança para falar de uma entrevista concedida pela ex-prefeita do Município de Bom Jardim, Lidiane Leite, a uma revista local, onde a mesma diz que nunca administrou o município, que desde o primeiro dia tal tarefa ficou a cargo de “um grupo político”, por conta disso é incapaz de declinar alguma obra ou ação nos dois anos e meio em que esteve no seu”comando”. Meu amigo, dizendo-se estarrecido com tais confissões, indaga se tenho alguma opinião.
Respondi-lhe que acredito no que disse a ex-prefeita, embora ache que a confissão não a isente de suas responsabilidades com os desmandos e, porventura, com quaisquer crimes que possam ter cometido em seu nome pelo “grupo político” que não declina os integrantes. Ela sabia o que se passava, se não tinha conhecimento de tudo, certamente sabia de algo. Teve mais de uma vez a chance de romper com a situação.
Mas a razão para acreditar nas palavras dela é outra.
A credulidade decorre do fato de haver acompanhado aquelas eleições e as circunstâncias que a fizeram prefeita sem ter pedido um único voto, uma vez que fora chamada a substituir o namorado declarado pela Justiça Eleitoral como inelegível, às 18 horas da véspera das eleições. Eleita por estreita margem de votos, já no discurso da vitória disse, com todas as letras, que quem iria administrar o município seria o namorado inelegível. Numa clara afronta à Justiça.
Como advogado que patrocinou a impugnação do seu registro e também que entrou com o recurso contra sua diplomação alegando que sua eleição era fruto do logro aos eleitores posto que votaram em um e elegeram outro, denunciei, em todas as instâncias da Justiça Eleitoral, o que hoje afirma a ex-prefeita, que ela, era por direito a detentora do mandato mas que o poder, de fato, não a pertencia. O mandato fora terceirizado numa anomalia que contrariava as regras democráticas.
A Justiça Eleitoral, da primeira à última instância, entendeu que estávamos errados. Talvez estivemos mesmos, a menos à luz da legislação.
Entretanto, este caso – e tantos outros Brasil afora –, ensejaram a mudança na lei. Doravante, a substituição de candidatos, exceto por morte, tem que ocorrer até vinte dias antes do pleito. Isso é o que manda a lei:
“Art. 13 . § 3o Tanto nas eleições majoritárias como nas proporcionais, a substituição só se efetivará se o novo pedido for apresentado até vinte dias antes do pleito, exceto no caso de falecimento de candidato, quando a substituição poderá ser efetivada após esse prazo, observado em qualquer hipótese o previsto no § 1º.”
O caso de Bom Jardim – agora tornado público por um de seus protagonistas –, onde se confessa com todas letras a burla à legislação para conferir um mandato eletivo a quem estava impedido, legalmente, de exercê-lo, está longe de ser o fato mais grave da nossa política.
A substituição deu-se – em que pese a burla – dentro dos ditames da lei; a substituta vivia em união estável com o substituído ainda que indiretamente era até compreensível que ela o consultasse; inexperiente (com pouco mais de vinte anos) salutar que ouvisse pessoas do grupo que a elegeu. Dentro do quadro fático, estaria tudo dentro do que poderíamos considerar “normal”.
Situação bem mais grave, ocorrida na eleição passada e que caminha para se repetir, com mais intensidade, nesta que se avizinha, é a da terceirização dos mandatos eletivos de prefeitos no Maranhão.
O roteiro é bem simples: agiotas e criminosos de outras áreas, bancam as eleições de pessoas com potencial de eleger-se – e sem nenhum juízo – e, vitoriosos os protegidos, estes agiotas passam a comandar setores estratégicos das administrações municipais. Isso quando não as comandam totalmente, sendo o prefeito, o eleito do povo, uma mera figura decorativa que assume o ônus da gestão em troca de um salário.
Os tolos acham que fazem um grande negócio pois os agiotas têm por práxis só cobrar – e bem –, em caso de eleição, perdeu a dívida some.
Em todo Estado do Maranhão temos notícias destes fatos. Administrações de municípios importantes entregues nas mãos de pessoas que não foram eleitas, com prefeitos que não passam de fantoches. Outro dia soube de um prefeito que fora “proibido” por quem o bancou, de nomear as pessoas para assessorá-lo. Os auxiliares foram nomeados pelo prefeito de fato, o que não foi eleito, mas que detém o mando na cidade.
Outros, mais poderosos e/ou audaciosos, usam a tática napoleônica (embora não saibam quem foi Napoleão) de eleger os parentes. Um irmão em um município, um filho noutro, um cunhado acolá, uma irmã, um tio, a esposa.
Os prefeitos, formalmente, são outros, mas o comando é do agiota que bancou, que vai se apropriar dos recursos públicos para tirar o que investiu nas eleições. Não se trata de busca de poder político, vai além disso, as eleições são corrompidas, trata-se, na verdade, do roubo dos recursos públicos.
Apesar de todas as limitações que passam os municípios brasileiros, muitos gestores, sobretudos os de municípios médios e grandes, com um pouco mais de poder de arrecadação, não fizeram nada por estiveram ou estão comprometidos com os que bancaram suas campanhas.
Nestas eleições as coisas serão ainda mais complicadas para aqueles que desejarem se elegerem honestamente devido às várias limitações impostas pela legislação eleitoral. Quem vai sair na frente, na disputa, certamente, os agiotas, os criminosos que possuem dinheiro em caixa para comprar votos e consciências.
Fortunas são feitas desta maneira, com a apropriação dos recursos dos orçamentos por estas quadrilhas. Compram mandatos, compram emendas parlamentares e desviam partes dos recursos para o seu patrimônio. Isso quando não fazem incursões pelo tráfico de drogas, roubos de bancos e de cargas.
As autoridades do Maranhão precisam atentarem para isso. Investigar os fatos que são do conhecimento de todos. Investigar, comprovar, punir e impedir que as coisas continuem assim.
A policia sabe destes fatos. outro dia ouvi no rádio um delegado afirmar que os roubos de bancos se destinavam a bancar as campanhas eleitorais deste ano. Antes foi o secretário que afirmou ter sido o mandato de determinada deputada fruto de dinheiro sujo. Se o delegado sabe, se o secretário sabe, não tem porque não investigar.
Urge que se quebre esse código de silêncio e fingimento. Não podemos mais ignorar o que se passa ou vir com a tolice que a corrupção é decorrente unicamente do financiamento empresarial. Não era. Não é. A corrupção é decorrente do crime organizado que está tomando de conta da política, que tem representantes nas esferas de poder.